Crônica do Dia – pássaros – Por Whisner Fraga

a menina desce e se depara com o espantalho:
camisa verde, cachecol roxo, boné vermelho e uma tampa de marmitex parodiando um rosto.
a menina dispara e volta com a coleção de canetas hidrográficas.
ela quer olhos, quer nariz, quer boca, um rosto.
de longe eu vigio as pombas desconfiadas, ciscando a fome.
um cajá-manga madura no galho.
a menina se afasta, examina o trabalho:
pai, verdade que ele agora parece gente?
tenho pena se fosse gente, parada no calor e com cachecol.
há gente com trabalho pior, pensei. ali é questão de custo, a mão-de-obra gratuita.
a camisa era do vô, o cachecol não sei.
queria mostrar aos pássaros que o espantalho não é nada, não faz mal.
vou à cozinha e trago o arroz do almoço.
jogo uns grãos e há um balé de revoada e logo estão todos se empanturrando.
uma farsa a fuga – elas não têm medo, só desconfiam.
a menina pede o pote e lança um punhado para as pombas. só há pombas e um ou outro pardal.
a menina me devolve o pote e vamos para dentro.
ligamos o ventilador e as pás golpeiam nosso silêncio.